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Sou professora e isso é o que sou

  • Foto do escritor: Lilian
    Lilian
  • 17 de out. de 2018
  • 5 min de leitura

Um relato sobre como me tornei professora e como me sinto frente ao cenário político do Brasil e as perspectivas para a educação


Ontem foi dia do professor, mas eu deixei pra hoje algumas palavras a respeito da data. Eu me lembro com clareza quando minha professora do 4º ano perguntou a cada aluno da classe o que ele queria ser quando crescesse. Minha resposta foi prontamente PROFESSORA! Desde muito menina borbulhava dentro de mim uma curiosidade mágica pelo mundo. Do que são feitas as estrelas? Como se forma um tornado? É possível chegar ao núcleo da Terra?

A maioria dessas curiosidades vinham das viagens que fazíamos paro interior de Minas, e dos filmes que eu assistia na sessão da tarde ou na temperatura máxima. “Volcano”, “O inferno de Dante”, “Impacto Profundo”, “O núcleo”, “Twister”. Este último foi responsável por eu decidir aos 9 anos que queria ser cientista (e caçadora de tornados)! E devido aos dois primeiros, geóloga! Eu era uma menina muito sonhadora, e às vezes, indecisa, embora professora estivesse sempre lá no topo. Aos 13 assisti “O dia depois do amanhã” e decidi que queria ser mesmo professora, cientista e climatologista, mas por algum motivo eu achava que tinha que estudar geologia para isso, e na UFMG. E com essa ideia eu segui até os 17, quando conheci dois professores fundamentais na minha decisão pela geografia, o Rodrigo e o Marcelo. Cada professor na minha trajetória teve sua importância e lembro-me de muitos deles com um carinho enorme, mas o Rodrigo foi o que me disse com todas as letras que eu era geógrafa e o Marcelo foi quem me despertou o interesse verdadeiro pela história, amiga inseparável da geografia.

Decidi, então, pela geografia e foi a decisão mais acertada que já tomei. A geografia me permitiu estourar diversas bolhas de preconceitos, me fez viajar do Amazonas ao Rio Grande do Sul e conhecer de perto as diversas realidades brasileiras e qual a origem histórica de cada uma delas.

Logo no início da graduação realizei meu sonho: me tornei professora de geografia na ONG Novos Tempos. Foi uma experiência de seis anos lecionando para alunos muito especiais. Na ONG tive uma das melhores experiências profissionais da minha vida. Pude notar a verdadeira importância da educação na vida das pessoas. Tive alunos que saíram de situações difíceis e hoje são profissionais conceituados, formados em cursos profissionalizantes, técnicos, faculdades ou empreendendo. Foi na ONG que eu tive a certeza de que ser professora faz parte do meu ser. Foi lá também que eu aprendi a importância das palavras que uso quando estou a frente de uma turma, das opiniões que eu expresso e até quando é adequado ou não que eu expresse algo, e, principalmente, estar embasada pelo conhecimento científico em tudo que eu digo, porém considerando o conhecimento popular que cada aluno traz consigo para sala de aula.

Na UFMG eu fui monitora de climatologia (sim, virei climatologista no final das contas!) desde o segundo ano de faculdade e até hoje atendo a quem me procura pelos corredores. Lá também auxilio um professor nas turmas de cartografia de cursos de geografia e engenharia.

Como professora é muito gratificante observar o aluno se desenvolvendo, construindo o conhecimento através de sua mediação, porque eu não sou nada mais do que isso: uma mediadora. Não sou responsável por “enfiar” o conteúdo nas mentes deles, mas por auxiliá-los na construção do conhecimento e ciente das limitações que nos envolvem. Nem sempre eu acerto. Aliás, muitas vezes eu erro e volto pra casa desanimada. Mas é o sonho que eu tenho de ver um país melhor ser construído por nós, com base na educação, na autocrítica, no respeito e na empatia que me faz sentar na mesa e refazer minhas aulas, buscar novas opções, novas abordagens do mesmo tema, porque cada turma é única e cada indivíduo tem suas necessidades.

E nesse caminho eu também estou sempre em formação, buscando o novo, lendo e relendo textos, indo a fonte original dos fatos e conhecimentos. O professor jamais está formado, ele é um ser humano sempre, sempre, sempre em formação, como todos deviam ser na verdade. Eu costumo pensar que a vida é muito curta para todos os livros que eu quero e que eu preciso ler.

Mas bem, neste dia do professor, eu gostaria de parabenizar todos aqueles que estiveram em minha vida, desde o primário até a pós-graduação, e aos meus colegas de profissão. Gostaria de desejar força a todos nós porque, sejamos francos, este não é um dia feliz e talvez por isso eu não tenha postado nada ontem, por me sentir infeliz demais. Estamos passando por um momento crítico, em que a educação, sobretudo a universidade pública, está em risco frente a propostas absurdas de um possível novo governo. Para os profissionais da área ambiental, como eu e os alunos com os quais convivo, o momento é tenso. Propostas como unificação do ministério do Meio Ambiente e Agricultura, fim da “indústria de multas do IBAMA”, saída do acordo de Paris colocam em cheque nossa profissão e nosso modo de trabalhar. Nossas leis ambientais já são tão frouxas, o que esperar então de um ministro envolvido com o Agronegócio?

Nestas últimas semanas fui desqualificada por mais de uma vez, ouvi que não estudo o suficiente, que fui doutrinada, que doutorado não significa nada porque “todos sabem que os doutorados no Brasil estão tomados por ideologia vermelha”, que a história não importa, que o nazismo era de esquerda, que o holocausto é uma farsa, que não foi ditadura, foi governo militar, que o Brasil vai virar Venezuela, que há planos verdadeiros para um tomada comunista e para a URSAL, que lugar de pobre não é na universidade e que não existem minorias, é tudo vitimismo. Vejo pessoas se apropriando de termos como comunismo, capitalismo, esquerda e direita sem compreender o significado destes conceitos, sem buscar a fonte, usando-os como palavrão ou xingamento. Como geógrafa, me sinto triste, desrespeitada e até um pouco fracassada. São 9 anos de estudos ininterruptos na universidade, mais incontáveis anos de estudo no ensino fundamental, porque eu decidi cedo demais o que eu queria e já na escola me esforçava o máximo que podia para alcançar meus objetivos: estudar na UFMG, ser professora, ser cientista, ser geógrafa, ser um ser humano empático! Hoje vejo todo este plano posto em risco por uma polarização política desnecessária e perigosa. Antes que venha me xingar, não sou Petista e muito menos ainda Bolsonarista. Aliás, não sou partidarista e vejo com muita tristeza a propagação de fake news para todo lado, deturpando a verdadeira história geopolítica do país e nos reduzindo a um país que estuda pelo whatsapp.

Mas a vida continua, é o que me dizem. E boa sorte para nós, professores! Vamos ter esperança na transformação que a educação proporciona na vida das pessoas, como eu mesma vi, com orgulho, acontecer tantas vezes com meus alunos lá trás, na ONG. Esperança de dias melhores, nos quais um livro valha mais do que uma arma, e que a vida de cada indivíduo valha mais do que qualquer quantia de dinheiro. E concluo, claro, com Paulo Freire enquanto posso (já que talvez ele seja expurgado das escolas):

“Educação não transforma o mundo. Educação muda as pessoas. Pessoas transformam o mundo.”

Pois sejamos nós mesmo, a transformação que queremos ver no mundo!


Agradecimento especial aos meus professores! Vocês são muito importantes pra mim!

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Sobre mim

Sou a Lilian, uma geógrafa aficionada por viagens, livros e experiências que façam a vida valer a pena.

 

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