Tudo o que existe na escuridão: relato de visita a uma caverna
- Lilian
- 3 de ago. de 2018
- 4 min de leitura
Atualizado: 13 de mar. de 2019
Em abril deste ano foi ofertado aos alunos do Instituto de Geociências da UFMG um trabalho de campo no Parque Estadual do Sumidouro, localizado em Pedro Leopoldo e Lagoa Santa (MG). Sempre gostei muito de geologia e tinha uma enorme curiosidade em conhecer uma gruta, só que as obrigações do dia-a-dia não permitiram que eu me aprofundasse na climatologia e adotasse a geologia como hobby ao mesmo tempo, ficando esquecido esse desejo de adentrar a Terra.
Assim, quando surgiu a oportunidade de visitar uma gruta e ainda na presença de estudiosos desses ambientes, não perdi tempo e logo me inscrevi, mesmo sendo quatro dias antes do meu casamento e com mil coisas a fazer! E lá fui eu, em pleno domingo acordar às 5:30h pra chegar na UFMG a tempo de pegar o ônibus e entrosar com os colegas que eu conheceria naquela manhã.
Minhas expectativas estavam a mil e nada deixou a desejar. Não irei me ater à explicar os processos de formação do Carste Lagoa Santa, porque não tenho habilidade para isso. A intenção aqui é contar para vocês como é a experiência de entrar numa caverna e caminhar até seu final, ou o que poderíamos chamar de fim do túnel ou fundo do poço.
Visitamos uma caverna chamada Gruta dos Túneis e logo na entrada fui avisada de que teria que conviver com um dos meu maiores medos da vida se eu quisesse conhecer a gruta: aranhas! E não aranhas comuns, aranhas marrom, uma das poucas venenosas do Brasil. E o aviso não foi em vão. Por todos os lados, correndo no chão e na parede, ameaçando minha paz, mas fui "forte" e enfrentei este medo.

Forte entre aspas, porque em alguns momentos elas chegaram perto demais de mim e não pude evitar um ou outro ataque de tremura e de pânico, pacientemente compreendido pelos meus colegas.

Adentrando a caverna pude conhecer o real significado do parto natural na visão de um bebê, se é que você me entende. Tivemos que atravessar diversos túneis, sendo que na maioria deles, você ia deitado no chão se arrastando para cima ou para baixo, e frequentemente tinha que tirar o capacete porque não te cabia lá com o equipamento. Inclusive, um desses túneis se chama buraco do parto. Sugestivo, não?




Além dos túneis, aparecem uns labirintos no caminho, bem estreitos e, o mais difícil de superar, os buracos em que você tem que subir. Minhas pernas são pequenas e isso foi difícil. Você precisa se deitar sobre as rochas e se erguer com os braços para alcançar os salões. Como não vou a academia a anos, você imagina o estrago que isso fez na minha semana né? Mas valeu cada arranhadinho, cada dorzinha cabulosa que apareceu na segunda-feira.

Depois de passar por todos os túneis e paredes estreitas da gruta, chegamos ao que seria o fundo do poço. Ali experimentei uma das mais incríveis sensações que já vivi. Chegamos a um salão não muito amplo, povoado por centenas de morcegos que espalhavam pelo chão uma substância conhecida como guano que nada mais é do que fezes de morcego acumulada, a qual libera no ar uma quantidade significativa de amônia tornando incômodo respirar. Foi preciso segurar o fôlego em alguns momentos.
Nosso guia nos orientou a sentar no chão da caverna e apagar as luzes. Não pude sentar no devido à grande quantidade de aranhas que me cercavam, portanto fiquei em pé mesmo e movendo as pernas para evitar surpresas quando a luz fosse novamente acessa. Mas voltando ao que realmente interessa, experimentamos a escuridão mais verdadeira de nossas vidas! Feche os olhos e você não estará diante da verdadeira escuridão, porque a luz perpassa suas pálpebras e por mais escuro que pareça o ambiente, sempre surge algum fio de luz que chega a sua visão delimitando formas lentamente. A verdadeira escuridão não é povoada de formas, não permite visualizar sombra alguma, ou mesmo identificar qualquer possibilidade de se encontrar um caminho ou uma saída. Passamos poucos minutos no escuro, em silêncio, ouvindo apenas o barulho dos morcegos voando rente a nossos ouvidos.
O escuro me fascina desde menina porque nele habitam possibilidades que vão desde o medo, o perigo, até a calma, o descanso ou mesmo a possibilidade de ver melhor a luz. Sim, isso mesmo. Já experimentou ir para uma roça e observar o céu? Você vai notar que emana luz de toda parte, não apenas de estrelas individuais, mas do conjunto como o todo formando a via láctea e mesmo da Terra, quando se juntam os vagalumes para rodear os arbustos.
A falta de luz me lembra sempre que há luz em algum lugar, e entenda isso de forma literal ou metafórica. Mas naquela caverna não. Ali, a escuridão é perigo, é ausência total de qualquer possibilidade de luz natural, é uma experiência única, que todos nós deveríamos ter uma vez na vida, para olhar pra dentro de si e reconhecer o quanto somos privilegiados pela possibilidade de ver e ao mesmo tempo diariamente cegos diante de tanta luz.
E pra finalizar este relato, aí vão algumas dicas para quem quiser visitar uma caverna:
-- Leve lanterna (parece bobo, mas eu não levei)
-- Vá de blusa de manga longa. Você vai se arrastar por todo lado e há aranhas em cada canto. É importante se proteger.
-- Vá com uma roupa velha. No álbum de foto a seguir você verá meu estado ao sair da caverna. Foi bem difícil lavar esta roupa.
-- Evite calçados escorregadios.
O Parque Estadual do Sumidouro oferece diversas opções de passeios guiados, sendo um deles pela famosa Gruta da Lapinha. O horário de funcionamento é de 8:30 às 17 todos os dias da semana e é cobrada uma taxa de entrada de R$ 24,00 reais, com opção de meia entrada para estudantes, idosos e crianças. Há, inclusive, dois museus bem interessantes no parque, sendo um particular com entrada cobrada a parte (ele tem o formato de um castelo, seguem fotos).
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